Em Portugal parecia que finalmente havíamos conseguido atingir o mesmo nível de vida dos restantes países da Europa comunitária, mas se pensarmos bem, as notícias sobre pobreza neste país nunca abandonaram totalmente os meios de comunicação social, nem o que podíamos observar com os nossos próprios olhos. Nas páginas interiores dos jornais sempre existiram histórias de despejo de casas, de famílias que quase nada tinham para comer, ou sobre o abandono a que foram votadas áreas como a educação, a cultura ou a falta de condições higiénicas. No entanto, tudo isso parecia que não importava e olhámos sempre para o lado. Rapidamente vieram números cada vez mais arrepiantes e pensávamos que nada mais eram do que números, dígitos que tal como subiam, assim iriam baixar. Não foi assim. O abandono dessas áreas seguiu o seu curso e uniu-se com esta crise que já se aproximava muito tempo antes de a começarmos a notar nos bolsos e nos cortes.
No entanto, os políticos continuaram o jogo das promessas. Só que a frieza dos números não deixa mentir, e temos uma taxa de desemprego como nunca ninguém se recorda, uma politica de educação para ricos e outra para pobres que nos irá conduzir inevitavelmente a um cada vez maior abandono escolar, e o empobrecimento geral irá continuar a sua marcha inexorável.
Há um drama diário e terceiro-mundista mesmo ao lado das nossas casas, perante o qual já não é possível olhar para o lado. Pessoas que misturam água no leite para se alimentarem ou que mandam os filhos para a escola para aí poderem finalmente saciar a fome. Este sim, é o final de um ciclo e o fracasso de um sistema. A reacção chegará, mesmo antes de poder haver soluções, com origem no desespero de quem não tem como alimentar os filhos. Não minto, nem exagero. Essa realidade acontece mesmo ao lado das nossas casas. Não evitem novamente olhar para aos números, mesmo que eles jamais sejam capazes de contar o que dizem as palavras ou o olhar.